Introdução — Da poesia enquanto fenômeno
A poesia é algo que apenas se realiza quando lido; de preferência em alta voz. E quando lida para um público, o que convencionalmente se espera são os aplausos; mas, em verdade, o que de fato se espera é a emoção da platéia que a fez romper o eterno silêncio breve que assalta aos ouvidos de todos ao fim da fala do rapsodo, como se o espanto fosse tanto que fosse preciso acabar com sua influência, rompendo o silêncio. Esta emoção é a verdadeira matéria-prima da poesia – e de toda a arte –, seja ela a mais cerebral de todas ou não. Os gregos possuíam uma palavra que traduzia perfeitamente este processo: páthos, a experiência, o acontecimento, o infortúnio. Assim, a poesia é um fenômeno – ou antes, é provocada por um fenômeno – e deve ser abordada como tal.
Sartre[1] já aborda a questão fazendo o que chama de um “esboço” duma teoria fenomenológica da emoção. A busca fenomenológica da emoção já vai dizer de sua própria natureza, o fenômeno (do grego fainómenon, de faíno, mostrar-se): o aparecimento, o acontecimento que é de natureza diametralmente diferente do fato. O fato é sempre estático, conclusivo, indiscutível. O fato é feito: é a ação concluída; é particípio, portanto, nome, substantivo que diz exatamente do que é essencial na coisa, seu ser, sua essência. O acontecimento acontece, é sempre sendo. A coisa a mostrar-se simplesmente: o fenômeno. I.e., acontecimento, apesar de substantivo, possui um significado indissociável do aspecto verbal infinitivo, quero dizer, da significação atualizante que lhe é própria. A intenção é a símile entre o substantivo e o verbo. Então, se a emoção é um fenômeno, pressupõe Sartre que ela é sempre “ativada” por um fator externo ao sujeito, ou seja, uma sensação provoca a emoção. Assim, diz Sartre que a emoção “é uma transformação do mundo” e que esta ação “não é consciente enquanto tal, pois então seria objeto de uma reflexão”, o que não pode haver dentro da fenomenologia da emoção mesmo porque nossa tendência reflexiva sempre se faz uma tentativa de desfazer a emoção, não de construí-la. (Esta constante tentativa de desconstrução da emoção é uma reminiscência da teoria de Platão da verdade como o Bem alcançado pela epistéme, ciência, e pela dialética, ou seja: pela razão, do lat. ratio, a medida das coisas. Platão nega as emoções e o sentir como verdade para afirmar o método científico como o único capaz de alcançá-la. [E, ironicamente, o método cartesiano parte da senciência, i.e., o limite último da dúvida é o conhecimento imediato, o saber o sabor, sapere.] Antes a verdade era tida exatamente como “aquilo-que-surge-e-se-esconde”; a verdade era dada pela presença e ausência.) Digressões a parte, Sartre nos dirá ainda que a emoção
“busca conferir ao objeto, por ela mesma e sem modificá-lo em sua estrutura real, uma outra qualidade, uma menor existência ou uma menor presença”.