3.7.12

Recycled poetry (poesia reciclada): Lavínia Saad & f.f.

Pat Perry

Esta peleja surgiu faz tempo e deu primeiro neste desafio de tradução que Lavínia me fez e depois no desafio que lhe retribuí com o meu ínfimo onde numa tacada só ela já se saiu com nada menos do que 3 versões (bem melhor do que eu com o texto dela, diga-se de passagem). Esta é uma peleja que não tem vencimento, só há ganhos poéticos neste jogo de línguas, porque "alguns versos nascem das entrelinhas de uma língua e outra".


Lavínia Saad escreve no Palavrogramas e no Brazilian Poetry in Translation onde foi primeiramente postado este embate em seus 3 primeiros rounds; o 4º posto primeiro aqui.



I. (L.S.)

From the mouths of babes
Out of the mottled nightsky
Into the paper-grain
Words want to be born.

Over the steaming forest
Tales demand their telling.
Snippets of songs - and beats -
Bubble up through the sea-foam:
 pop! pop!
On the flatscreen dots
Dance impatiently their
Pixillated minuets. All await.

What do they say?
Hear me out! Spill me forth.
Words want to be born. And

It's just impossible
Not to write.


II. (f.f.)

Bem das bocas dos bebês
Fora do nouticéu  matizado
Dentro das fibras do papel
Palavras pulsam no nascer.

Além da nebulosa floresta
Contos cobram as contas.
Retalhos de cantos - e tons -
Borbulham pela espuma-mar:
pop! pop!
Nessa lisavista os pontos
Dançam nervosos seus
celulados minuetos. Tudo espera.

O que dizem eles?
Ouve-me ao fim! Verte-me afora.
Palavras pulsam no nascer. E

Só é impossível
Não escrever.

9.4.12

A Nação Sitiada

Rob Sato
O que significa esse homem que aí vai pelo meio da rua, vestido de terno e carregando um galão branco semitransparente meio cheio — ou meio vazio, isto depende de otimismo — de sei lá o quê? O que significa esse homem que vai pela rua despercebido?

A vida segue, ninguém o vê, não há nada que reparar. Rua cheia, ali, além da esquina, na sede do governo, soldados, às dúzias, asseguram a visita do grande imperador que com mãos de plástico impera sobre a nação dominada, nação sitiada.

O homem para na esquina. Usa terno, mas não é executivo. Formou-se de não se formar um contemplador, monge, homem que é e basta-se. Será que se vestiu executivo para enfim deixar de ser? Ele respira fundo. Depõe o galão no chão — uma criança, sem que ninguém perceba, arrastada pela mão da mãe, percebe o homem que é, fazendo. Há na garrafa, a criança cheira, o mesmo que seu tio no verão passado colocou num tubo da caminhonete avermelhada e fuzilada de ferrugem —, deposto o galão, procura nos bolsos alguma coisa que, num gesto talvez de alívio, talvez de arrependimento, talvez de autocensura, quase não acha. Toma na mão o pequeno objeto brilhante. Daqui desta distância não posso ver muito, daqui através dos quilômetros quase nada vejo, só através daqueles que o percebem; poucos. E por que eu me deteria em sua imagem borrada, brocado de ossos, punhado de pele?

1.4.12

Conclusivo


Scott Belcastro


Eis que, certo, digo:
            com certeza
nada é perto.
— E nem isto…

Eis que, perto, digo:
            com perteza
nada é certo.
Mesmo aquilo…

Eis que, certo, digo:
com perteza
nada é perto.
Só interstício…

Eis que, perto, digo:
com certeza
nada é certo.
Só interdito…



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25.3.12

frio

Roland Flexner


gela o frio sobre a terra
e desce envolto em névoa
do tempo que escurece
o espaço e a sorte tece

à mortalha o meu corpo
terrivelmente constrito
que do fim volta absorto
paralítica mente em detrito

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24.3.12

pitonisa

José Mertz

ave! leveva en volta seda por minhas ervas asas arrasadas e emulheradas vou à senda ambidestrela de dedos carregada e mãos por meu corpo algodoal só de incensosatos terremores frementes como a pítia pita pelos poros velhavidente virulenta lambe bem das mãos as gotas quedas da minha cabeça de xícara pra ser eu também o dia de ser a trilha que me ilha o olho na forja de fogo que lá embaixo há eu rogo e eu fogozo e eu louca e eu morta e eu portentrada de estandarte escorre fole nas minhas coxas macias alvas coxas an meinem schlüpfer der schlupfwinkel meiner schluss zu einem schlüssel e eu raio e eu vaio e eu caio e eu saio de mim sem ser suposto silêncio só sem cio ciciante e sibilando silentes sem as ser ah o horror rói roto as rotas das coxas enxertando venenos de sonho em minha pele por onde olhos são pele e olfato é fogo feito oferta e pá aos lodaçais de suor salinado que quente envolvo : vulva e úvula ululam meus poucos poros erigindo as florestas flores e fresta pra festa desta cesta que minha nesga rela alongando em multimúltiplos ais das serpentinas carnavalizando minha sorte envenenusando minha morte de amor mor que vai e mói meu sono indício de abandono e abono de ser só sempre amada e expurgada de mim nessa seda almofada bordada de dragões e furacões…
_______________________________

17.3.12

Sempre Sendo

collaborative art of cara thayer & louie van patten  


Eu não sou nada.
Exceto o estar sendo,
que só por intento
de mero nada ser,
nem mais é nem o nada,
já que ser não ser
já é ser ser sem nunca.

Não que seja não,
nem que não seja ser,
mas o ser sendo sendo ser,
alguma essência sem ser,
só o que é por alguma coisa,
é pois não ser nada sendo.

15.3.12

de.fe(c)t(i)o

collaborative art of cara thayer & louie van patten 


o céu de porcelana nos entaça
sobre nós o escuro não,nada
aqui;boiamos no mar marasmo
mar contido mar nossa idolatrina
de vai-vém circular que o colo anima

e nestas águas antes claras     pingam
os continentes contidos nestas águas
feitas turvas por que estas ilhas des-
fazem-se tinta borra que o céu elimina
ilhotas náufragas  ,  atlândidas qu’ habito

defluem confluxas no influxo cristalino
que de metade do nada,céu ainda,chiam
a chuva hora ouro ora alpina  ,  guilhotina
líquida que inevitável desata a terra
rede moinho que a nós todos escoa

4.2.12

Pierre Garnier (ii): "Dos Poèmes Méchaniques"

Brice Bischoff


Pierre & Ilse Garnier


Luz ativa circula no poema. Participa da criação. Intervenção de densidade e volume.

As partículas lingüísticas depõem-se a si mesmas. Aparição de estratos de geologia e concreções.

Momentos. Movimentos.

Presença com valor de signos. Sensibilização da página. Impressões de velocidade, de perspectivas. Nossos tempos: a substância, força, mobilidade de signos. Ao longo da rodovia, a rua, entre nós direcionam-nos. O mundo de reflexos condicionais, de slogans, de imagens — dispensando necessidades de fala, de pensamento.

Mas signos podem também acenar a nós. Além do barulho e tagarelice que nos polarizam, devem ser um vasto silêncio onde a palavra nasce.

Dentre estes signos — letras.


3.2.12

Peter Lamborn Wilson (i): "Introdução ao Caminho Sufi"



De todas as linhas de pensamento, tradição e crença que compõem o universo islâmico, o sufismo em seu aspecto doutrinal sobressai como o mais intacto, a maior pureza islâmica: a linha central. Oponentes do sufismo freqüentemente acusam-no como tendo se originado fora do Islã, mas uma revisão minuciosa das várias escolas de filosofia e teologia, e uma comparação com o Islã “primordial” como revelado no Corão e no Hadith (discursos autênticos do Profeta Muhammad), provarão o clamor dos sufis pela centralidade, pela estrita aderência à original pureza da Revelação.

No contexto da história do pensamento, de fato, o sufismo — sempre insistindo em um retorno às fontes da Tradição — pode ser visto como para ter funcionado às vezes como uma reação positiva e saudável à atividade racional extrema dos filósofos e teólogos. Para os sufis, o caminho até o conhecimento espiritual — até a Certeza — nunca poderia ser limitado ao processo da atividade racional ou puramente intelectual, sem conhecimento sapiente[1] (zawq, “gosto”) e a experiência imediata, direta do Coração. A Verdade, eles crêem, pode ser vista e descoberta somente com o completo ser de cada um; nem estiveram eles satisfeitos meramente em saber essa Verdade. Insistem numa total identificação: um “falecimento” do conhecedor no Conhecido, do sujeito no Objeto do conhecimento. Assim, quando no quarto/décimo século, o sufi Hallaj proclamou “Eu sou a Verdade” (e foi martirizado por isso pelas autoridades exotéricas), não violou o “Primeiro Pilar” do Islã, a crença na Unidade (tawhid), mas simplesmente declarou a verdade desde a boca da Verdade. Então os sufis crêem.

Essa insistência do envolvimento total na realização “mística”, e no entendimento participativo da doutrina religiosa, distinguiu agudamente o sufismo de outras escolas islâmicas de saber. De fato, considerando eles mesmos a verdade do Islã, os sufis apareceram como marginais não somente para os filósofos e teólogos, mas ainda para os Muslims “ordinários”. Suas peculiaridades, suas distinções, manifestaram-se em vários aspectos de suas vidas: suas atividades diárias, seu culto, relações sociais, e inclusive estilo ou meios de expressão. Como místicos de todas as Tradições, eles tenderam a refazer a linguagem e a forma para seus próprios propósitos, e como em todas as civilizações Tradicionais, a potência e direcionamento de sua expressão tendeu a escoar e permear outras áreas não diretamente relacionadas ao misticismo em sentido estrito: literatura, as artes e ofícios, etc.

2.2.12

Pierre Garnier (i): "Posição I do Movimento Internacional (1963)"

kate mccgwire


Se o poema mudou
É porque eu mesmo mudei
É porque todos nós mudamos
É porque o universo mudou

Homens são menos e menos determinados por suas nações, suas classes, suas línguas-mães, e mais e mais pela função que executam na sociedade e no universo, por presenças, texturas, fatos, informação, impulsos, energias. Eles têm penetrado o espaço e já têm adaptado seus movimentos, logo suas idéias, seus nós-i[1] de vida para essa nova liberdade. Poesia transmuta-se de arte a ação, de recitação a constelação, de frase a estrutura, de música ao centro de energia. Por anos, grupos ou autores isolados, que na maior parte do tempo ignoraram-se uns aos outros e ainda tiveram consciência da humanidade que chama à vida cósmica e funcional, isto é, à metamorfose que nos conduz além do medo existencial, têm feito pesquisas em direção à poesia a qual pode ser dado o nome genérico de Espacial (que inclui conceitos de tempo, estrutura, energia):

poesia concreta: trabalhando com linguagem material criando estruturas com ela, transmitindo primariamente informação estética;

poesia fonética: baseada em fonemas, corpos sonoros de linguagem, e geralmente falados sobre todos os sons emitidos pelos órgãos vocais humanos, trabalhados em gravações e tendendo à criação de som espacial;

poesia objetiva: arranjo pictórico, gráfico, escultural e musical devido à colaboração de pintores, escultores, músicos e tipógrafos;

poesia visual: a palavra ou seus elementos tomados como objetos e centros de energia visual;

poesia fônica: o poema composto diretamente em gravação, palavras e sentenças sendo tomadas como objetos e centros de energia auditiva;

cibernética, serial, permutacional, verbofônica, poesia

16.1.12

Jorge Luis Borges (ii): "No eres los otros"

Nik Christensen


Não és os outros

Não te hás de salvar o que deixaram
Escrito aquilo que teu medo implora;
Não és os outros e te vês agora
Centro do labirinto que tramaram
Teus passos. Não te salva esta agonia
De Jesus ou Sócrates nem o forte
Sidarta de ouro que aceitou a morte
Em um jardim, ao declinar do dia.
Pó é pois também a palavra escrita
Por tua mão ou o verbo pronunciado
Por tua boca. Não há queixa em Fado
E tal é a noite de Deus: infinita.
Tua matéria é o tempo, o incessante
Tempo. És cada solitário instante.


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