1.12.11

Guillaume Apollinaire (i): "Je n'ai plus même pitié de moi"

Jackson Pollock


Nem mais tenho mesmo pena de mim
E nem posso exprimir meu tormento de silêncio
Todas as palavras que eu tinha a dizer tornaram-se estrelas
Um Ícaro tenta elevar-se por cada um dos meus olhos
E portador de sóis queimo no centro de duas nebulosas
O que eu fiz às bestas teologais da inteligência
Quando os mortos voltaram para me adorar
E eu esperava o fim do mundo
Mas o meu chega assoviando como um furacão

18.11.11

e.e. cummings (iv): "un(bee)mo"

Hieronymus Bosch [detalhe de 'O Jardim das Delícias']


[a]

ina(belha)mo

v(em)el
é(est
a)você(ú
nica)

dorm(rosa)ente


[b]

i(zzzz)mo

ve
l(em)mente
é(est
a)você(ú
nica)

dorm(rosa)ente

13.11.11

o rumo de hume à mina da falsidade ideológica


Cartier-Bresson



             bruta                                   
a natureza
brota
a nata  
bruta


não nota     no ato     brota nata


na face      o fato
feito
sempre um calo

o fato da face um ato
feixe
facho de fibras

emplastro

com o qual o qual é o mesmo
quale altrem quærit
qualidade do qual é

9.11.11

Limpo Limbo

M.C. Escher


quanto em quadro branco tem
tudo e todo canto aqui
visto vago e livre além
da tela em queda? perdi

o muro qu’ é manto imundo
mura o mundo pela crista
e a mesma lupa que dista
a mente! o é em plena culpa

astrolábios salivantes
se alimentam da distância
pois não são senão o antes
que tanto enche essa pança

3.11.11

Monte desMonte




monto o monte
e o cavalgo
montando
pedra a pedra
o horizonte

monto o monte
cadafalso
de ver dada
essa espera
sem ser ponte 



pois bem do monte
mesmo enforcado
me esgueiro e estico
ao horizonte

se não o alcanço
Dave McKean
algo me canso
e sinto o chão
bem rente à fronte

mas vejo abaixo
desfiladeiro
em filamentos
a mente inteira

mais bem à altura
possível ponte
nada trespassa
eu sou o monte

mal rente à rocha
eu sou um monte
e afundo em falso
profunda fonte

meu coração
bruto deflora
as flores mortas
o grão (des)monte




_______________________________

1.11.11

O Parricida

Dave McKean



sonhei que sonhava
um sonho d’ espada
inteiro revés
por sobre mim pousava
a imagem aos pés
meu pai que comia
a inteira aérea via
duma borboleta
laranjado-violeta
pra se me vomitar
inteiro em meus pés
eu-próprio revés
por matá-lo após
c’ um golpe d’ espada
o assassino atroz
do sonho que sonhava






_______________________________

31.10.11

Jorge Luis Borges (I): O Livro de Areia

Dave McKean


… thy rope of sands…[1]

George Herbert (1593-1623)


A linha consta de um número infinito de pontos; o plano, de um número infinito de linhas; o volume, de um número infinito de planos; o hipervolume, de um número infinito de volumes… Não, decididamente não é este, more geometrico[2], o melhor modo de começar meu relato. Afirmar que é verídico é agora uma convenção de todo relato fantástico; o meu, no entanto, é verídico.
                Eu vivo só, em um quarto andar da Rua Belgrano. Há uns meses, de tardinha, ouvi baterem à porta. Abri e entrou um desconhecido. Era um homem alto, de traços embaçados. Ou a minha miopia os viu assim. Todo seu aspecto era de pobreza decente. Estava de cinza, trazia uma maleta cinza na mão. Em seguida senti que era estrangeiro. No princípio o achei velho; logo me dei conta de que tinha me enganado sua escassa cabeleira loira, quase branca, à maneira escandinava. No curso de nossa conversação, que não duraria uma hora, soube que vinha das Órcadas[3].
                Mostrei-lhe uma cadeira. O homem demorou um pouco a falar. Exalava melancolia, como eu agora.
                — Vendo bíblias — disse-me.

19.8.11

Temporal

Eric Zener


Ao velho mar, gotas
de chuva nova precipitam
sem alcançar o precipício.

Ao ver o ar, bolhas
do fundo à prova retificam:
da vida lá só há o indício.


Ao deparar, rota,
minh’ alma tonta, muda, cisma:
de chuva ou vida a bolha arisca?

Há o que esperar, tola,
do mar que são as gotas vindas;
sequer em queda pensam nisso…


Mas no fundo nunca importa
se as ondas alto se agitam,
porque o mundo nunca tocam.
É ele sempre o interdito.

_______________________________

18.8.11

e.e. cummings (III): "Lady,i will touch you with my mind."

e.e. cummings

Dona,eu vou tocar-te com minha mente.
Tocar-te e tocar e tocar
até que dês-
-me súbito um riso,tímido obsceno

(dona eu vou
tocar-te com minha mente.)Tocar-
-te,isso é tudo,

veloz e tu inteiramente tornarás
com infinita calma

ao poema que não escrevo.

15.8.11

e.e. cummings (II): "i carry your heart with me(i carry it in"

e.e. cummings


trago teu coração comigo(trago-o dentro
do meu)eu nunca estou sem ele(a qualquer parte
que eu vá tu vais, amor;e o que quer que é feito
só por mim é teu fazer,ó querida)
                                                           eu temo
nenhum fado(pois tu és meu fado)nem quero
nenhum mundo(pois bela és meu mundo,o fato)
e tu és o que quer que uma lua signifique
e o que quer que um sol sempre cantará és tu

eis o mais fundo segredo que ninguém sabe
(eis a raiz da raiz e o broto do broto
e o céu do céu da árvore vida;que cresce
bem mais alta que a alma espere ou a mente esconda)
e este é o assombro que mantém as estrelas longe

trago teu coração(trago-o dentro do meu)

7.8.11

O Finge-Dor - o acontecer poético em Fernando Pessoa (I)

Dave McKean [aqui]


Introdução — Da poesia enquanto fenômeno

A poesia é algo que apenas se realiza quando lido; de preferência em alta voz. E quando lida para um público, o que convencionalmente se espera são os aplausos; mas, em verdade, o que de fato se espera é a emoção da platéia que a fez romper o eterno silêncio breve que assalta aos ouvidos de todos ao fim da fala do rapsodo, como se o espanto fosse tanto que fosse preciso acabar com sua influência, rompendo o silêncio. Esta emoção é a verdadeira matéria-prima da poesia – e de toda a arte –, seja ela a mais cerebral de todas ou não. Os gregos possuíam uma palavra que traduzia perfeitamente este processo: páthos, a experiência, o acontecimento, o infortúnio. Assim, a poesia é um fenômeno – ou antes, é provocada por um fenômeno – e deve ser abordada como tal.
Sartre[1] já aborda a questão fazendo o que chama de um “esboço” duma teoria fenomenológica da emoção. A busca fenomenológica da emoção já vai dizer de sua própria natureza, o fenômeno (do grego fainómenon, de faíno, mostrar-se): o aparecimento, o acontecimento que é de natureza diametralmente diferente do fato. O fato é sempre estático, conclusivo, indiscutível. O fato é feito: é a ação concluída; é particípio, portanto, nome, substantivo que diz exatamente do que é essencial na coisa, seu ser, sua essência. O acontecimento acontece, é sempre sendo. A coisa a mostrar-se simplesmente: o fenômeno. I.e., acontecimento, apesar de substantivo, possui um significado indissociável do aspecto verbal infinitivo, quero dizer, da significação atualizante que lhe é própria. A intenção é a símile entre o substantivo e o verbo. Então, se a emoção é um fenômeno, pressupõe Sartre que ela é sempre “ativada” por um fator externo ao sujeito, ou seja, uma sensação provoca a emoção. Assim, diz Sartre que a emoção “é uma transformação do mundo” e que esta ação “não é consciente enquanto tal, pois então seria objeto de uma reflexão”, o que não pode haver dentro da fenomenologia da emoção mesmo porque nossa tendência reflexiva sempre se faz uma tentativa de desfazer a emoção, não de construí-la. (Esta constante tentativa de desconstrução da emoção é uma reminiscência da teoria de Platão da verdade como o Bem alcançado pela epistéme, ciência, e pela dialética, ou seja: pela razão, do lat. ratio, a medida das coisas. Platão nega as emoções e o sentir como verdade para afirmar o método científico como o único capaz de alcançá-la. [E, ironicamente, o método cartesiano parte da senciência, i.e., o limite último da dúvida é o conhecimento imediato, o saber o sabor, sapere.] Antes a verdade era tida exatamente como “aquilo-que-surge-e-se-esconde”; a verdade era dada pela presença e ausência.) Digressões a parte, Sartre nos dirá ainda que a emoção


“busca conferir ao objeto, por ela mesma e sem modificá-lo em sua estrutura real, uma outra qualidade, uma menor existência ou uma menor presença”.


31.7.11

Yago Hortal


silêncio da madrugada
sem vento as folhas falam
nhac      cracks     crunch
a noite            mastiga
  me                        a dia

27.7.11

no mar na língua
ela desce
onda recurva sóbria

é pois em mim
acontece
palavra sem volta

26.7.11

bigbang mosquito



zune olvido        um mosquito
e levo o elétron onde bato
some         e são muitos.mínguo
*
zune ouvido      um mosquito
atônito do átomo    :     o esmago
nuvem de fogo em nagazaki
*
pousa leve sobre            mim nem
o sinto e              suga minha vida
foi-se e a levou             consigo

nem ao menos ver quem era
só me resta          esta coceira
*
infinito peso      do        ínfimo pousado
na ponta dum alfinete      >      lupa
SOB SOL SE SOME           sob onde esconde?
*
zunem mosquitos           entorno
a mim                   curvo às luas
o espaço in tento

Allen Ginsberg (I): entre sapos, flores e mosquitos: haikubeat

Allen Ginsberg


Um sapo bóia
num jarro de farmácia:
chuva de verão nas calçadas cinzas.
A frog floating
in a drugstore jar:
summer rain on grey pavements.

Lendo haiku
eu sou infeliz,
saudade do Sem Nome.
Reading haiku
I am unhappy,
longing for the Nameless.

Olhando por cima do ombro:
minhas costas cobertas
de cereja em flor.
Looking over my shoulder
my behind was covered
with cherry blossoms.

Haiku de inverno
eu não sabia os nomes
das flores — agora
meu jardim já era.
Winter Haiku
I didn't know the names
of the flowers — now
my garden is gone.

Fantasma de minha mãe:
primeira coisa que achei
na sala do estar.
My mother's ghost:
the first thing I found
in the living room.

Estapeei o mosquito
e cadê?
Que me feito a fazer isso?
I slapped the mosquito
and missed.
What made me do that?

18.7.11

e.e. cummings


Susto!                   Acordo
sugado pelo Vácuo.
Envulto em braços,        durmo.
Há no fim do nada          o alvo
de tua pele que me abraça.

17.7.11

inverdades

f.f.
só digo verdades
até mentindo
meto os pés pelas mãos
e tiro as calças pela cabeça

depois eu danço uma dança
russa como sapo trôpego
pulo no tanque de areia
mas sai ÁGUAÁGUA

EUREKA!

haver-me

cartier-bresson

eu sou um velho matusalém
e tenho Alzheimer às avessas:
só vivo o que não mais há
e o haver-se é despercebido

3.6.11

ínfimo




menos que isso muito menos
menos que muito muito mais
mais é menos ou muito mais?

mais que muitos menos mais
é muito mais ou menos


****

22.5.11

Walt Whitman (I): "Leaves of Grass"

sebastião salgado


Tu Leitor

Tu leitor pulsante de vida e orgulho e amor como eu,
Por isso pra ti os cantos que seguem.


Thou Reader

Thou reader throbbest life and pride and love the same as I,
Therefore for thee the following chants.


Você, Leitor

Você, leitor, que pulsa
de vida e orgulho e amor,
assim como eu:
para você, por isso,
os cantos que aqui seguem!

[José Paulo Paes]

20.5.11

cartier bresson


já não é aqui     ;     não mais teu cheiro
(tateio o teto que me cobre de enleio
— selva aborígene que beira o abismo —
:os teus cabelos)             fia em mim meu imo

um fio perdido no travesseiro
raio,sol edificado:serpenteiro
ouro que porque só não é um risco
qual em tua cabeça do céu é o cimo

aqui perdido o teu cabelo morre
é um fio escuro em minha pele branca
e a minha mente à tua nuca recorre
a sondar do sono antigo a lembrança

minha mente agora é um poço falso
pena um fio não servir de cadafalso…

5.5.11

e.e. cummings (I): "i will wade out"

cartier-bresson


vou vau afora
até encharcar as coxas em flores de fogo
vou sentir o sol na minha boca
e saltar no ar maduro
Vivo
com olhos oclusos
pra chocar contra o escuro
nas sonolentas curvas do meu corpo
Entrarão dedos de maestria macia
com castidade de sereias
Vou eu completar o mistério
da minha carne
Vou despontar
Depois uns mil anos
beiçando
flores
E pregar meus dentes na prata da lua

3.4.11

aborígene

f.f.


o verbo pode abolir a árvore
o verbo pede abolir a árvore
Horácio Costa

como um prédio
media a média do meio dos outros a mais
hecha en piedra
paralisada em perfeito pasmo de construção
                               cresce crua aos sinais
                                                  (sós se o são)
ela mesma caverna
cavada mesma a terra — cravada em si as feras
mortinactifeita
embora viva
                        [excarrada e exculpinda]
nunca ida ; chagada ao teto
a partir da dureza dissolvida
do concreto


>>columnéticas