27.2.11

James Joyce (I): "Chamber Music"

by steve bloom [stevebloom.com]

XXXVI

Eu ouço tropas investindo sobre a terra
E o trovão de cavalos caturrando, ‘spuma entorno aos joelhos:
Arrogantes, de negros elmos, por erguê-los,
Sem nem as rédeas, com palpitantes barcos, os cavaleiros.

E choram à noite seus nomes de batalha:
Gemo em sonho ouvindo ao longe as rodopiantes risadas.
Cortam o escuro dos sonhos, ofuscante chama,
Tinindo, tinindo no peito como em uma bigorna.

Chegam agitando em triunfo os longos, verdes cabelos:
Saem do mar e correm gritando pela praia.
Meu coração, não és sábio para cair em desespero?
Meu amor, meu amor, meu amor, por que me deixaste só?

26.2.11

éolo



que sopro intenso que o divaga
à deriva em dupla vaga
ziguezagueando em busca
duma brusca guerra contra si
sem nem mesmo a permuta
do silêncio que o traz ao campo
na batalha em fala a se evadir
em sons de gládios e glabro estrondo
se nem mesmo ser alguma
coisa nenhuma que fora
buscando ser o que em suma
coisa pensou que fosse à Hora
que nem mesmo é nada agora?

no fim desperto rente ao cetro
do reino efêmero de seu mero ser
tem por fim ser o que fora fora
dali em grande imensidão e fuga
de saudades que cobra de si por mora
não sendo nunca nem quando era
quanto se sabia ser querendo a espera
de ser outro antes que não o próximo
………………………………………………………….
mas enfim nunca se é o que foi
e nunca se será o que promete
pois um outro sempre se nos toma
e por entre os nós enlaça a trama
que nenhum de nós nunca retoma

22.2.11

Imitação de Caeiro

Passa uma águia diante de mim
e pela primeira vez no universo eu reparo
(sem nem andar por verso algum)
que o que pensava que era o que é
não é nada, nem nunca nada será.

Nas garras da águia a águia agarra
pressionada sua presa e às pressas passa
manchada da cor que lhe tinge as penas.
E a cor que corre colada à sua imagem
não é de fato sua cor que debaixo está.
A cor não tem cor em cima da cor da asa da águia
e seu movimento não se move nunca a não ser na parada
em que o mundo move o movimento em volta de nada.

A águia não é apenas a águia,
é tudo e nada.
É debaixo das tintas outra cor pálida.
E se numa tela eu retrato o seu voar,
bem lá ela estará.
Mas na tela ela é outra, ainda que múltipla;
na tela há um outro céu
e uma outra presa que caçar,
mas lá atrelada à tela a mesma águia que vi voar
sempre voará.

Há uma águia em cada olhar meu pelo mundo afora…

19.2.11

S.O.S

só os sóis
si só sois
sós isso sói
si osso só
sói só o ó 

Netuno




Espiralando a aspiração aos céus,
sobe acima auscultando soprar
os ventos sibilinos seus,
‘funilando rente o mar,
girando infindo os pontos
cardeais num só,
tombos de escombro,
onde o pó
da areia
– creia –,
u’a veia,
pulsa a ver
em o turbilhão
o fundo sustento
de tal mar de três tempos
de novo unindo céu e chão
ondeando as ondas em o ar,
com mariscos para constelar,
que foram, vêm e irão a se encontrar.

15.2.11

Ao pé do ouvido

De pé na página
– pé da palavra –
faço a pergunta.
Mas é na pergunta
que um ouvido se instala.

A resposta me põe aposta
da pergunta que a assopra.

É essa coisa posta
que me lança devolta
— devota e sem volta —:
o olvido em si findado
por um ponto abaixo: ?

concha

f.f.



Os ouvidos da terra,
      nobres conchas,
falam aos meus ouvidos
      o que falam
ondas de mar perdido.

14.2.11

buraco-negro

fotoalgia

3 telas de magritte

pulso. em milésimo de segundo passa 3ookm/h: abre os braços e vôa! a mão grande de comércio faz colagens na cidade: outdoors às centenas impedindo as vistas: portas para fora que não abrem lugar algum: arte de criar necessidades. motores rosnam pelas ruas: abrem-se caminhos pros desfiles de latas. coça os céus a floresta centenária de concreto e vidro: fulguram espelhos à luz liz do sol multifacetado de CO2: metálicolombrigas rasgam intestinos: homocarnicarcaças andantes digeridas por asfaltos.


vi uma tela certa vez: ≈ 3x3. de longe abarcando tudo c’ olhar, nada, só uma grande tela cinza ou azul acinzentado – alguma coisa do tipo –; fui então à legenda de informações técnicas absolutamente dispensáveis, enfado de conceitualismo babaca que não diz nada e abstrai absolutamente [absolutamente todo objeto artístico é imbuído de conceito! e não o é!]: aconselhava ela que olhasse o quadro obliquamente, em diagonal, em transversal; levantei uma sobrancelha e abaixei outra frente ao esforço que faria; abaixei meu corpo, virei o pescoço, fechei um pouco os olhos, respirei fundo, desfoquei o olhar e: mar. sim, o mar cheiinho d’ ondas azuis acinzentadas; um mar grandioso – os ≈ 3x3 da tela pareciam infinitos! –… não lembro do pintor, tampouco do nome da tela, mas a experiência que tive em vê-la, descobri-la, é inesquecível. é revivível. é rediviva. isto sim, senhoras e senhores, é a arte em seu sentido mais ancestral. [neanderthal manchando mão em sangue e ervas e suor e cuspe e água e espalmando-a contra parede de gruta onde reverberam sombras de fogueira lá fora. ele descobre-se a si.]

pulso. olhe obliqüamente. desfoque seus olhos enquanto vê. enxergue. veja além do que está. olhe a bunda do elefante bem de perto, veja entre ranhuras de seu couro duro; que há aí? veja peixe que tenta arrepanhar seu brilho além-debaixo-dágua donde está: flores de aço abrem-se em suas escamas. nasce um sapo de 3 olhos; aranhas têm 8: ótima visão.

barat[k]as correm inertes sob nossas camas. rápido, pegue-a! julgamo-nos sapiens sapiens mas a barata de tão nojenta talvez raciocina n³. mais rápido que nós. a luz é rápida sim, mas nem tanto a ponto de vir em jatos; vem, pois, em pulsos que, lerdos que somos, não distinguimos: a massa encefálica que nos so[e]rve mantém por período mínimo de tenro tempo a memória resguardada do pulso que vimos agora pouco, seguindo a isto outro pulso que pra nosso olhar lento ilusiona movimento. ora veja o cinema, às baratas é projeção de slides: 24f/s [frames per second] nos são suficientes? pois não deveriam; movimento é ilusão? life-slide. repousando-se, transforma.

pulso. cai maçã al[u]to galho: slides deixam no [noir] ar sua lagarta comedora na própria imagem pecadora. raia o galo na cabeça o dia. giram cirandas engrenagens: um carro bate em si e gira entorno do mundo: eclipsar lua afunda no sol frio: p [3,1415926535897932384626433832795]: britadeiras afrouxam os espaços da mente asfáltica: enxaqueca.

movimento é necessário para a visão além do olhar. budas buscam inertes o seu satori, sua epifania, crentes que nadar contra a corrente adianta. mundo é movimento, 365 flashes por segundo, crer que parar contra tudo é chegar a entendimento é tolice. muito sabiam uns árabes que dançavam uma gira tão rápido que chegavam ao desaparecimento. E=mc². cogumelos levantam-se no ar: beba-os chá das cinco! movimento como desaparecimento: apenas rasgando o vento mais rápido que a luz podemos parar entre a fotoestase.

pulso. senta-se o pirata num quarto silencioso e escuta. aperta seus olhos com ambas mãos. abre-os e ve o que se descortina: bio-LSD. seja míope. force a vista. desfoque o ponto. agora você vê? sim, você vê: membranosa tela com teclados l[n]uminosos: fios que se esticam até tudo; e nada dominam: ande furtivo por suas teias, copule com a aranha.

 [106d . 365f/s = 3656i/s] um milhão de dedos clicando 365 flashes por segundo gerando outras tantas imagens engaioladas, apagadas instantaneamente por caprichosos seres colecionadores de memória. isso! capture o mundo. mas não, não seja burro… tudo está em suas mãos, engula tudo e nunca vomite. [dous buracos-negros abrem-se em olhos] cada maldito turista do mundo tem em mãos ao menos uma máquina de colecionar memórias, embora eles não as colecionem realmente. repare como param as lombrigas de aço motorizadas cheias deles em frente ao Taj Mahal e clicam milhões de flashes sem nunca amarem como o príncipe amou, veja como param em frente ao Maracanã sem nunca nem ao menos berrar e chorar e xingar um mísero juiz, veja como fotografam aborígenes como animais num circo sem nunca ter ao menos bebido do sangue duma vaca e dançado em torno a uma fogueira ouvindo histórias ancestrais… todas as câmeras e telas de luz são intermediários desnecessários, empecilhos; queime todos os padres e pastores que encontrar! lance longe sua tv.

dé.coup.age

de coup [de l’] Âge
glaive de stase
la page par flambage
visage des nuages
gage impermutable
la herse des[ ]astres

corte cole seu prisma imagético. desencape a palavra: que anagramas surgem de seu nome? que define indefinível de seu imo? o nome. tudo que há tem um nome e tudo que tem um nome há: nalgum lugar… alexandre lex laxo nada drena lerda a ladra. tavares será tara ser rata? tava reta a vara… c_da  p_la_r_  ñ  _recisa  d_  _ompl_tu_e  pra  q  s  l_e  diga  mu_do;  tá  t_do  s_ben_en_ido


a mais nova pandemia detectada é fotoalgia: luz inchada causando cegueira branca [prisma às avessas] e ardência febril n’ olhos podendo levar a convulsões e morte ou paralisia catatônica nos casos mais amenos. seu tratamento é feito com compressas d’ água gelada, doses homeopáticas de silêncio imagético e exercícios imaginativos. meditação, masturbação e poesia são altamente recomendadas.

corte cole corte cole e coma tudo… e depois fechar os olhos e criar seu próprio mundo sem intermédios. não preste atenção a nada. você de que vale pra que uma coisa seja coisa? tudo é sem ti. mas oferece hospitaleiramente sua atenção a tudo e veja como cada recanto remoto do mundo desabrocha a cada instante: eis único hospital capaz de tratar a fotoalgia: hospitalidade; ver o mundo sem afetação, nunca a partir de determinado afeto, mas com o afeto que se tem pelas prismáticas primeiras vezes. e depois correr a velocidade a tal ponto que a estase seja natural. êxtase.

a vaca é dos animais mais sábios: ruminâncias pacientes; no fim, nutre-se mais com o que come. mas a vaca sempre cagará o que comeu. não se apegue a nada, nade nas coisas como no mar [em quê você vai se segurar?]: a ancestralidade nômade é renascida. o ser não é dalguma maneira: seja inclusive isto; e coisa alguma. 

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