31.10.11

Jorge Luis Borges (I): O Livro de Areia

Dave McKean


… thy rope of sands…[1]

George Herbert (1593-1623)


A linha consta de um número infinito de pontos; o plano, de um número infinito de linhas; o volume, de um número infinito de planos; o hipervolume, de um número infinito de volumes… Não, decididamente não é este, more geometrico[2], o melhor modo de começar meu relato. Afirmar que é verídico é agora uma convenção de todo relato fantástico; o meu, no entanto, é verídico.
                Eu vivo só, em um quarto andar da Rua Belgrano. Há uns meses, de tardinha, ouvi baterem à porta. Abri e entrou um desconhecido. Era um homem alto, de traços embaçados. Ou a minha miopia os viu assim. Todo seu aspecto era de pobreza decente. Estava de cinza, trazia uma maleta cinza na mão. Em seguida senti que era estrangeiro. No princípio o achei velho; logo me dei conta de que tinha me enganado sua escassa cabeleira loira, quase branca, à maneira escandinava. No curso de nossa conversação, que não duraria uma hora, soube que vinha das Órcadas[3].
                Mostrei-lhe uma cadeira. O homem demorou um pouco a falar. Exalava melancolia, como eu agora.
                — Vendo bíblias — disse-me.

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