4.2.12

Pierre Garnier (ii): "Dos Poèmes Méchaniques"

Brice Bischoff


Pierre & Ilse Garnier


Luz ativa circula no poema. Participa da criação. Intervenção de densidade e volume.

As partículas lingüísticas depõem-se a si mesmas. Aparição de estratos de geologia e concreções.

Momentos. Movimentos.

Presença com valor de signos. Sensibilização da página. Impressões de velocidade, de perspectivas. Nossos tempos: a substância, força, mobilidade de signos. Ao longo da rodovia, a rua, entre nós direcionam-nos. O mundo de reflexos condicionais, de slogans, de imagens — dispensando necessidades de fala, de pensamento.

Mas signos podem também acenar a nós. Além do barulho e tagarelice que nos polarizam, devem ser um vasto silêncio onde a palavra nasce.

Dentre estes signos — letras.



Olha-os libertados de suas palavras, geométricos, ordenados ou caóticos, cintilando ou descolorados sobre a página. Mas e sua força? É como se só o mais fraco eco viesse adiante.

Estão eles em ponto morto. São estas as últimas faíscas, cinzas de sua vida? Dificilmente movem-se em seu branco, seu cinza, seu alvo. Mesmo assim uma música nasce da página, algo distante, quase perdida.

Contra a concentração — slogans, anúncios, palavras — os Poèmes Mechaniques opõem-se a uma afetiva espacialização.

A velha poesia foi fundada no reflexo condicional; a semântica usada pelo poeta trazido sobre a equivocação entre a palavra e a coisa: na palavra “sol”, o leitor “vê” o sol; ele reagiu como o cão de Pavlov[1]; ao tilintar do soneto ele saliva.

Os poème mechaniques ignoram os reflexos: a variação das letras dentro dos poemas chama adiante variações na pessoa em seus mais profundos níveis de ser.

A energia sozinha é apreendida por estes elementares [sic]. De repente as letras tornam-se galáxias. Aparição de correntes, turbulências, respiração suave.

Jazz para os olhos.

Microestruturas. As letras tilintam e configuram vibrações nos caminhos da mente.

As palavras introduzidas tornam-se breves suspiros. Os sons sibilantes, os sons circulantes, os rr marchando adiante, os turbulentos ll, os ii berrados, retorcem e correm pela página. semântica diluída [sic]. ritmos, cadências, impulsões [sic].

A poesia endereça-se não ao intelecto mas às sensibilidades.

Para cada letra está ao mesmo tempo uma linha e um som. E cada letra inscreve seu som na página. Vibração acústica e visual: ouvimos estas letras… através do olho — e a música organiza-se no inconsciente. A página finalmente canta.

Letras visíveis e ressoando e legíveis — séculos — girando, balbuciando, convergindo, intensificando. Poesia sensorial nasce do encontro das mais remotas pulsações, e os mais simples e ricos elementos.

Expressão de nossa energia.

Superfícies onde página a página, intensidade a intensidade, signo a signo feitos rítmicos por suas forma e força, as danças e os sonhos da microestrutura são jogados fora infinitamente.

Essas letras trancadas então jazem somente em si mesmas?

Não. Elas são fortes e ativas. Células vivas, criativas da língua — clímax visual em sonoridades — o estático tornando-se dinâmico — partes de um ponto, então levadas pela voz, volume, infinitas vibrações.

Rumando incessantemente, de novo e de novo, do nível racional ao nível do puro som.

Movimento que nos enobrece.

Dos encontros das letras surgem figuras inesperadas que aproveitam a ocasião do poema para formar a si mesmas

matéria universal em movimento

que, não ainda semântica, aguarda sua significação

e mantém, na página, um campo de tensão.

As direções são indicadas, a sintaxe nasce da posição dos elementos, o monumental não é abolido, nem les rouages[2] [as engrenagens moventes como num relógio] [sic], nem as montagens, nem os ritmos, nem a fina semântica retida pelas letras: é sem dúvida um poema.

Um evento invade o papel. Uma aventura dá a luz a si mesma. Tateia, verifica, continua seu caminho ao longo das bordas da linguagem. O espaço puxa de volta Os relacionamentos que entretemos, gratidão à linguagem, estão quebrados [sic]. Experiência a experiência procuramos nos estabelecer.


(Trans. bpNichol, M. Roy, and Larry Richards) [sic]


Traduzido do inglês a partir da versão do UbuWeb, in: http://www.ubu.com/papers/garnier_02.html


[1] Ivan Petrovich Pavlov (Nobel de Fisiologia em 1904) teorizou o condicionamento clássico. Sua idéia básica consiste em que algumas respostas comportamentais são reflexos incondicionados, ou seja, inatas invés de aprendidas, enquanto outras são reflexos condicionados, aprendidos através do emparelhamento com situações agradáveis ou aversivas, simultânea ou imediatamente posteriores. Pavlov fez os primeiros experimentos com cães e sua salivação. (Nota da Tradução Portuguesa)
[2] “As rodas dentadas”, literalmente do francês; ou simplesmente “engrenagens”. (N.T.P.)
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Pierre Garnier (poeta francês) foi fundador do "Spatialisme" ("Espacialismo").

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