Brice Bischoff |
Pierre & Ilse Garnier
Luz ativa circula no poema.
Participa da criação. Intervenção de densidade e volume.
As partículas lingüísticas depõem-se a si mesmas. Aparição de estratos
de geologia e concreções.
Momentos. Movimentos.
Presença com valor de signos. Sensibilização da página. Impressões de velocidade,
de perspectivas. Nossos tempos: a substância, força, mobilidade de signos. Ao
longo da rodovia, a rua, entre nós direcionam-nos. O mundo de reflexos
condicionais, de slogans, de imagens — dispensando necessidades de fala, de
pensamento.
Mas signos podem também acenar a nós. Além do barulho e tagarelice que
nos polarizam, devem ser um vasto silêncio onde a palavra nasce.
Dentre estes signos — letras.
Olha-os libertados de
suas palavras, geométricos, ordenados ou caóticos, cintilando ou descolorados
sobre a página. Mas e sua força? É como se só o mais fraco eco viesse adiante.
Estão eles em ponto morto. São estas as últimas faíscas, cinzas de sua
vida? Dificilmente movem-se em seu branco, seu cinza, seu alvo. Mesmo assim uma
música nasce da página, algo distante, quase perdida.
Contra a concentração — slogans, anúncios, palavras — os Poèmes Mechaniques
opõem-se a uma afetiva espacialização.
A velha poesia foi fundada no reflexo condicional; a semântica usada
pelo poeta trazido sobre a equivocação entre a palavra e a coisa: na palavra “sol”,
o leitor “vê” o sol; ele reagiu como o cão de Pavlov[1];
ao tilintar do soneto ele saliva.
Os poème mechaniques ignoram os reflexos: a variação das letras dentro
dos poemas chama adiante variações na pessoa em seus mais profundos níveis de
ser.
A energia sozinha é apreendida por estes elementares [sic]. De repente as letras tornam-se
galáxias. Aparição de correntes, turbulências, respiração suave.
Jazz para os olhos.
Microestruturas. As letras tilintam e configuram vibrações nos
caminhos da mente.
As palavras introduzidas tornam-se breves suspiros. Os sons
sibilantes, os sons circulantes, os rr marchando adiante, os turbulentos ll, os
ii berrados, retorcem e correm pela página. semântica diluída [sic]. ritmos, cadências, impulsões [sic].
A poesia endereça-se não ao intelecto mas às sensibilidades.
Para cada letra está ao mesmo tempo uma linha e um som. E cada letra
inscreve seu som na página. Vibração acústica e visual: ouvimos estas letras…
através do olho — e a música organiza-se no inconsciente. A página finalmente
canta.
Letras visíveis e ressoando e legíveis — séculos — girando,
balbuciando, convergindo, intensificando. Poesia sensorial nasce do encontro
das mais remotas pulsações, e os mais simples e ricos elementos.
Expressão de nossa energia.
Superfícies onde página a página, intensidade a intensidade, signo a
signo feitos rítmicos por suas forma e força, as danças e os sonhos da
microestrutura são jogados fora infinitamente.
Essas letras trancadas então jazem somente em si mesmas?
Não. Elas são fortes e ativas. Células vivas, criativas da língua —
clímax visual em sonoridades — o estático tornando-se dinâmico — partes de um
ponto, então levadas pela voz, volume, infinitas vibrações.
Rumando incessantemente, de novo e de novo, do nível racional ao nível
do puro som.
Movimento que nos enobrece.
Dos encontros das letras surgem figuras inesperadas que aproveitam a
ocasião do poema para formar a si mesmas
matéria universal em movimento
que, não ainda semântica, aguarda sua significação
e mantém, na página, um campo de tensão.
As direções são indicadas, a sintaxe nasce da posição dos elementos, o
monumental não é abolido, nem les rouages[2]
[as engrenagens moventes como num relógio] [sic],
nem as montagens, nem os ritmos, nem a fina semântica retida pelas letras: é
sem dúvida um poema.
Um evento invade o papel. Uma aventura dá a luz a si mesma. Tateia,
verifica, continua seu caminho ao longo das bordas da linguagem. O espaço puxa
de volta Os relacionamentos que entretemos, gratidão à linguagem, estão
quebrados [sic]. Experiência a
experiência procuramos nos estabelecer.
(Trans. bpNichol, M.
Roy, and Larry Richards) [sic]
Traduzido do
inglês a partir da versão do UbuWeb, in: http://www.ubu.com/papers/garnier_02.html
[1] Ivan Petrovich Pavlov (Nobel de Fisiologia
em 1904) teorizou o condicionamento
clássico. Sua idéia básica consiste em que algumas respostas
comportamentais são reflexos incondicionados, ou seja, inatas invés de
aprendidas, enquanto outras são reflexos condicionados, aprendidos através do
emparelhamento com situações agradáveis ou aversivas, simultânea ou imediatamente
posteriores. Pavlov fez os primeiros experimentos com cães e sua salivação.
(Nota da Tradução Portuguesa)
[2] “As
rodas dentadas”, literalmente do francês; ou simplesmente “engrenagens”.
(N.T.P.)
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Pierre Garnier (poeta francês) foi fundador do "Spatialisme" ("Espacialismo").
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