Rob Sato |
O que significa esse homem que aí vai
pelo meio da rua, vestido de terno e carregando um galão branco
semitransparente meio cheio — ou meio vazio, isto depende de otimismo — de sei
lá o quê? O que significa esse homem que vai pela rua despercebido?
A vida segue, ninguém o vê, não há nada
que reparar. Rua cheia, ali, além da esquina, na sede do governo, soldados, às
dúzias, asseguram a visita do grande imperador que com mãos de plástico impera
sobre a nação dominada, nação sitiada.
O homem para na esquina. Usa terno, mas
não é executivo. Formou-se de não se formar um contemplador, monge, homem que é
e basta-se. Será que se vestiu executivo para enfim deixar de ser? Ele respira
fundo. Depõe o galão no chão — uma criança, sem que ninguém perceba, arrastada
pela mão da mãe, percebe o homem que é, fazendo. Há na garrafa, a criança
cheira, o mesmo que seu tio no verão passado colocou num tubo da caminhonete
avermelhada e fuzilada de ferrugem —, deposto o galão, procura nos bolsos
alguma coisa que, num gesto talvez de alívio, talvez de arrependimento, talvez
de autocensura, quase não acha. Toma na mão o pequeno objeto brilhante. Daqui
desta distância não posso ver muito, daqui através dos quilômetros quase nada
vejo, só através daqueles que o percebem; poucos. E por que eu me deteria em
sua imagem borrada, brocado de ossos, punhado de pele?