3.3.11

O amor de Tumintinhas

henri matisse

Tumintinhas não tinha amigos. Era um menino magrinho de cabelos pretos e um olhar sempre baixo. Tímido que só! ele sempre fugia dos olhares de quem quer que fosse. Mas por mais que ele fugisse, sempre o encontravam e vinham atrás dele caçoando:
            — Olha o tromboninha! Ha-ha-ha. Bom, bom, bom, bomrobobom, bom, bom — punham as mãos na frente da boca como se tocassem trompetes e trombones e vinham marchando como uma bandinha os meninos da escola. Tumintinhas abaixava a cabeça e passava andando rapidinho.
            Todos os dias, Tumintinhas chorava sozinho. Ele não tinha culpa, ô coitado! é que ele tinha um trombone no lugar da voz; uma voz grave e fanha, voz de gente grande. Quando a tia fazia a chamada, ele era obrigado a responder “PrẽsẼNte, prõfẽSÕrã”, e todo mundo caia na gargalhada. Duas palavrinhas tão simples viravam atração de circo na boca de Tumintinhas.
Um dia uma professorinha nova, muito jovem por sinal, veio dar aula no lugar da tia que estava muito doente.
— Tumintinhas! — ela fez a chamada. A turma toda fez um silêncio que nunca se via. — Tumintinhas! — ela chamou de novo e nada do garoto responder. Todos ansiosos olhando para ele. — Tumintinhas! — ela chamou uma última vez e quando já quase ia marcando a falta – ele não podia escapar:
— PrẽsẼNte, prõfẽSÕrã! — e todos caíram na gargalhada. A professora ficou olhando pra ele espantada, mas depois já não conseguindo segurar o riso começou a gargalhar. Tumintinhas encolheu-se na cadeira e quase caiu no chão. Nessa hora ele queria ser um mosquitinho bem pequenininho pra poder ir voando pra bem longe dali.
Outra tia, de uma outra série, no primeiro dia de aula, quando fez a chamada, brigou com Tumintinhas muito severamente porque dizia que ele estava caçoando dela. “Mãs NÃÕ prõfẽSÕrã, ẽữ fãlõ ãssĩm mẽsmõ!” A professora irritava-se com o menino e começou a sacudi-lo, mandando que parasse de caçoar dela. Por fim ela o mandou pra diretora, e mais tarde, depois que a confusão se esclareceu, a professora sumiu e foi substituída por outra… Mas a tia deste ano era muito boazinha, e sempre que encarnavam em Tumintinhas ela o defendia e brigava com a turma. A tia não se importava que ele ficasse em silêncio quase o tempo todo, ela tinha pena dele.
E assim seguia Tumintinhas, sempre em silêncio, fugindo da própria voz.


“Ciranda, cirandinha,
Vamos todos cirandar,
Vamos dar a meia volta,
Volta e meia, vamos lá…”

Ah, como ela era linda! Carolina. Carola. Carolinha. Carol. Tinha cabelos de caracol, cacheados e vermelhinhos. As bochechas cheiinhas de sardas e um sorriso lindo e branquinho. Andava com um ar meio esnobe, mas era porque, ela dizia, “Vocês são um bando de crianças. Eu já sou gente grande.” Era isso que dizia. E repetia quando todo mundo ria de Tumintinhas na hora da chamada: “Ai, vocês são tão infantis!” Ela nunca riu da voz de trombone dele. Ela, sim, tinha uma voz linda! de anjo! Anjinha ruiva…
Todos os dias, na hora do recreio, Tumintinhas sentava-se no banco do balanço, sozinho, e ficava espiando Carolina cirandando e cantando com voz de Anjo. E ele sempre espiava como ela esnobava as flores e bilhetinhos que os outros meninos sempre levavam pra ela. Nenhum deles tinha conseguido ainda um sorriso de Carolina. E Tumintinhas nunca se atreveu, ora, ele pensava, se ela nunca se importou com os outros meninos, comigo ela não vai ter nem o trabalho de esnobar, vai fazer que eu não existo. Só assim ele falava sem ser o tromboninha; na imaginação dele a voz dele era linda, voz de tenoooooor! e ele cantava para platéias lotadíssimas as melodias mais maravilhosas.

Tumintinhas sempre ficava olhando Carolina e os meninos que se aproximavam dela. Ele sempre pensava que não conseguiria nada. Ele sempre se levantava, virava as costas e ia embora. Mas um dia, ele não soube bem porquê, depois de ter dado as costas à Carolina, ele deu meia volta, volta e meia e foi lá. A ciranda parou com a presença dele. Carolina ficou olhando pra ele esperando que ele dissesse alguma coisa, porque ele estava com aquela cara ofegante de quem está louco pra contar um segredo. Mas Tumintinhas não falava. E Carolina disse:
— Quer brincar?
Ele quase, quase, deu um passo pra trás, dizendo um NÃÕÕÕ! bem sonoro e fanho como um trombone que desafina no meio da banda e quase saiu correndo. Mas ela esticou a mão e ele não resistiu, pegou na mão de Carolina e entrou na roda. NUNCA ninguém tinha conseguido pegar na mão dela, mas ELE, Tumintinhas, o Tromboninha, conseguiu! Isto encheu o coração dele de alegria e força e quando a ciranda recomeçou ele cantou:

“O anel que tu me destes
Era vidro e se quebrou,
O amor que tu me tinhas
Era pouco e se acabou.”

Ele cantou feito um verdadeiro tenooooor! Lindo! Nunca achou que poderia cantar bonito assim. Mas ele cantou e todos ficaram olhando pra ele de boca aberta…
E naquele momento Carolina sorriu pra ele, como nunca sorrira pra ninguém.

Um comentário:

Fala o que queres. Tudo é da lei.

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