1.12.11

Guillaume Apollinaire (i): "Je n'ai plus même pitié de moi"

Jackson Pollock


Nem mais tenho mesmo pena de mim
E nem posso exprimir meu tormento de silêncio
Todas as palavras que eu tinha a dizer tornaram-se estrelas
Um Ícaro tenta elevar-se por cada um dos meus olhos
E portador de sóis queimo no centro de duas nebulosas
O que eu fiz às bestas teologais da inteligência
Quando os mortos voltaram para me adorar
E eu esperava o fim do mundo
Mas o meu chega assoviando como um furacão

18.11.11

e.e. cummings (iv): "un(bee)mo"

Hieronymus Bosch [detalhe de 'O Jardim das Delícias']


[a]

ina(belha)mo

v(em)el
é(est
a)você(ú
nica)

dorm(rosa)ente


[b]

i(zzzz)mo

ve
l(em)mente
é(est
a)você(ú
nica)

dorm(rosa)ente

31.10.11

Jorge Luis Borges (I): O Livro de Areia

Dave McKean


… thy rope of sands…[1]

George Herbert (1593-1623)


A linha consta de um número infinito de pontos; o plano, de um número infinito de linhas; o volume, de um número infinito de planos; o hipervolume, de um número infinito de volumes… Não, decididamente não é este, more geometrico[2], o melhor modo de começar meu relato. Afirmar que é verídico é agora uma convenção de todo relato fantástico; o meu, no entanto, é verídico.
                Eu vivo só, em um quarto andar da Rua Belgrano. Há uns meses, de tardinha, ouvi baterem à porta. Abri e entrou um desconhecido. Era um homem alto, de traços embaçados. Ou a minha miopia os viu assim. Todo seu aspecto era de pobreza decente. Estava de cinza, trazia uma maleta cinza na mão. Em seguida senti que era estrangeiro. No princípio o achei velho; logo me dei conta de que tinha me enganado sua escassa cabeleira loira, quase branca, à maneira escandinava. No curso de nossa conversação, que não duraria uma hora, soube que vinha das Órcadas[3].
                Mostrei-lhe uma cadeira. O homem demorou um pouco a falar. Exalava melancolia, como eu agora.
                — Vendo bíblias — disse-me.

18.8.11

e.e. cummings (III): "Lady,i will touch you with my mind."

e.e. cummings

Dona,eu vou tocar-te com minha mente.
Tocar-te e tocar e tocar
até que dês-
-me súbito um riso,tímido obsceno

(dona eu vou
tocar-te com minha mente.)Tocar-
-te,isso é tudo,

veloz e tu inteiramente tornarás
com infinita calma

ao poema que não escrevo.

15.8.11

e.e. cummings (II): "i carry your heart with me(i carry it in"

e.e. cummings


trago teu coração comigo(trago-o dentro
do meu)eu nunca estou sem ele(a qualquer parte
que eu vá tu vais, amor;e o que quer que é feito
só por mim é teu fazer,ó querida)
                                                           eu temo
nenhum fado(pois tu és meu fado)nem quero
nenhum mundo(pois bela és meu mundo,o fato)
e tu és o que quer que uma lua signifique
e o que quer que um sol sempre cantará és tu

eis o mais fundo segredo que ninguém sabe
(eis a raiz da raiz e o broto do broto
e o céu do céu da árvore vida;que cresce
bem mais alta que a alma espere ou a mente esconda)
e este é o assombro que mantém as estrelas longe

trago teu coração(trago-o dentro do meu)

31.7.11

Yago Hortal


silêncio da madrugada
sem vento as folhas falam
nhac      cracks     crunch
a noite            mastiga
  me                        a dia

26.7.11

Allen Ginsberg (I): entre sapos, flores e mosquitos: haikubeat

Allen Ginsberg


Um sapo bóia
num jarro de farmácia:
chuva de verão nas calçadas cinzas.
A frog floating
in a drugstore jar:
summer rain on grey pavements.

Lendo haiku
eu sou infeliz,
saudade do Sem Nome.
Reading haiku
I am unhappy,
longing for the Nameless.

Olhando por cima do ombro:
minhas costas cobertas
de cereja em flor.
Looking over my shoulder
my behind was covered
with cherry blossoms.

Haiku de inverno
eu não sabia os nomes
das flores — agora
meu jardim já era.
Winter Haiku
I didn't know the names
of the flowers — now
my garden is gone.

Fantasma de minha mãe:
primeira coisa que achei
na sala do estar.
My mother's ghost:
the first thing I found
in the living room.

Estapeei o mosquito
e cadê?
Que me feito a fazer isso?
I slapped the mosquito
and missed.
What made me do that?

17.7.11

haver-me

cartier-bresson

eu sou um velho matusalém
e tenho Alzheimer às avessas:
só vivo o que não mais há
e o haver-se é despercebido

3.6.11

ínfimo




menos que isso muito menos
menos que muito muito mais
mais é menos ou muito mais?

mais que muitos menos mais
é muito mais ou menos


****

22.5.11

Walt Whitman (I): "Leaves of Grass"

sebastião salgado


Tu Leitor

Tu leitor pulsante de vida e orgulho e amor como eu,
Por isso pra ti os cantos que seguem.


Thou Reader

Thou reader throbbest life and pride and love the same as I,
Therefore for thee the following chants.


Você, Leitor

Você, leitor, que pulsa
de vida e orgulho e amor,
assim como eu:
para você, por isso,
os cantos que aqui seguem!

[José Paulo Paes]

5.5.11

e.e. cummings (I): "i will wade out"

cartier-bresson


vou vau afora
até encharcar as coxas em flores de fogo
vou sentir o sol na minha boca
e saltar no ar maduro
Vivo
com olhos oclusos
pra chocar contra o escuro
nas sonolentas curvas do meu corpo
Entrarão dedos de maestria macia
com castidade de sereias
Vou eu completar o mistério
da minha carne
Vou despontar
Depois uns mil anos
beiçando
flores
E pregar meus dentes na prata da lua

27.2.11

James Joyce (I): "Chamber Music"

by steve bloom [stevebloom.com]

XXXVI

Eu ouço tropas investindo sobre a terra
E o trovão de cavalos caturrando, ‘spuma entorno aos joelhos:
Arrogantes, de negros elmos, por erguê-los,
Sem nem as rédeas, com palpitantes barcos, os cavaleiros.

E choram à noite seus nomes de batalha:
Gemo em sonho ouvindo ao longe as rodopiantes risadas.
Cortam o escuro dos sonhos, ofuscante chama,
Tinindo, tinindo no peito como em uma bigorna.

Chegam agitando em triunfo os longos, verdes cabelos:
Saem do mar e correm gritando pela praia.
Meu coração, não és sábio para cair em desespero?
Meu amor, meu amor, meu amor, por que me deixaste só?

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