28.3.11

falta

mu, o vazio


[   ]



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o vazio
cheio
de nada
coisa alguma
alguma coisa
já que em alguma
é nada
que já é alguma coisa

falta a falta
falta da falta
pauta que trata
da falta da pata
farta de fato
de foda de claustro
do faz que me parto

27.3.11

[ode à noite]


Sob as horas,
do Sol, deitadas, durmo.
E, de sol,
O Sol veste mi’a pele,
rubra, ígnea,
e depois a abandona
negra insípida
dando as trevas do dia.

Pela pele
nula, nua e já fria,
      franze a noite
o dia que a anuncia;
      negra vinda
da noite ainda dia.
      Noite em dia,
sou sombra em minha sombra,
      uma em duas,
fossas fundas, vazias.

Encheu-mo Sol e levou-me
pra me não haver dia.
Ora, sombra: eis que sou
sombra sem coisa dita,
sombra de sombra: noite,
perdida noite insípida.
Será que virá hoje
à noite a sua estrela
ter meu corpo retesa?

26.3.11

ciclo


gestei trôpego
e
nasci tropeçado
e
cai alquebrado
num
buracossenfundo
em
Irremediável, presumo
que o
remar o
vent
o temporal
num
segundo
de queda
livre sensacional
em que
às vezes me seguro e
às vezes sem futuro
(parado estaticamente cortado pelo ventescuro)
decido por simples prazer me pend
urrar
e ouvir o eco
ecce
eco
eco
eco
co
co
respirar
co
ngestionar

me

eus de desalento
n’escuro realmente
num entre
(— Entre!)
uma luz
diz
               tante
estanque
com’um sem-brilho

e

um fundo
tão fundo
que o
segundo
não mais paradamente esvaziado
per
corra
o
fim

decido-me por ir ou ficar
(sempre só)
vou ‘té
esp’rar
que o
chão
m’aqueça
e medo assim nunca mais sentiria
mas enfim o Desejo é que restaria
e Eu-saberia, sim saborearia-me-nos-te-lhe
in
pronunciável somente ao que fosse perene
mas o Ensejo do fim acometo
e
des
va
ne
ço
en
fim
ao
sem-fim

24.3.11

'sobrescrevo sobrescravo': 6 poemas sobre a escritura

confúcio ['nascer/ do sol/ no sol/  nascente'; trad.: márcio-andré]




Eis o lápis,
aquele que corre
contra ou atrás do tempo;
nasce grande
e morre pequeno.

*

O não-dito nunca indica –
dica só de infinito.
Aí o lápis apropria
quem não acalca o bendito,
sumindo indito dia a dia.

11.3.11

Ascensão

henri cartier-bresson


Como por uma escada-rolante
que sobe, eu desço.
Assim a vida me traga, sempre
de volta ao princípio.

4.3.11

O Imorredouro

by dave mckean [mckean-art.co.uk]


do sabá das bruxas à meia-noite a brilhar
tirso entrepernas e o sacrovinho nas mãos
o deus louco dilacera sua carne a exspiar
a seta que acerta una o demo decacéfalo
p’ra as cabeças roçando em vassouras a unção
baixias e altas fauces a engolir o céu

dança o deus devorador de homens sobre o sangue
que o ventrecálice verte ao chão e irriga a fronte
a santa ceia farta que os gigantes consomem
pois quatrifeito o deus cordeiro renasce e plange
p’ra lamber das bestas o leite e das virgens o ventre
matrifeito sem nascer duönascido sempre
p’los mares que escorrem n’ ampulheta eternamente

3.3.11

O hipnonauta

by steve bloom [stevebloom.com]


abracadabro
com enguias
meu coração

(hermeneuta)
me resvalo
cego sem
um pendão

vão das favas
o que me plange
na solidão

brancos vultos
de mar casto
n’ imensidão

O amor de Tumintinhas

henri matisse

Tumintinhas não tinha amigos. Era um menino magrinho de cabelos pretos e um olhar sempre baixo. Tímido que só! ele sempre fugia dos olhares de quem quer que fosse. Mas por mais que ele fugisse, sempre o encontravam e vinham atrás dele caçoando:
            — Olha o tromboninha! Ha-ha-ha. Bom, bom, bom, bomrobobom, bom, bom — punham as mãos na frente da boca como se tocassem trompetes e trombones e vinham marchando como uma bandinha os meninos da escola. Tumintinhas abaixava a cabeça e passava andando rapidinho.
            Todos os dias, Tumintinhas chorava sozinho. Ele não tinha culpa, ô coitado! é que ele tinha um trombone no lugar da voz; uma voz grave e fanha, voz de gente grande. Quando a tia fazia a chamada, ele era obrigado a responder “PrẽsẼNte, prõfẽSÕrã”, e todo mundo caia na gargalhada. Duas palavrinhas tão simples viravam atração de circo na boca de Tumintinhas.

1.3.11

sonhata nº 1

quando em mim sem dó acordo
(tão desperto quanto o sol
si de longe põe-se enfim)
assim abordo em bordo
as transbordas do fim

fim mundo faz a coisa a marejar
o que fito já me ascende crescendo
o sopro prendo e metalizo o ar

bem sustenido um eu que sói bemol
por belicoso surto mola os dentes
em fúria baquiaberta de arrebol
larga o lago e remama a rima rente

o mar em ramos sementiza serpente
evaporando o som das cordas
da minha garganta ao meu ouvido rente

ao lado loa
um dado a dança
que ao céu revoa
bem cheio à pança
que o jogo enlaça
domado em ancas
me põe às chagas
quem não me acha
mas como queria
por histeria
perder-me si
e tocar-te a sós
bem lá bemol
si sustenido
ao dares ré
meu comprimido
tu não tens dó
dá-me teu sopro
meu ser é roto
pois desafino
fio a fio

fustigo acordes
mesmo mimindo
e ronronando
em fuga findo
às trastes tortas
o ronco arroto
rompo sem porta
pois prostra o proto
pronto à desforra
forra o fogo
goma d’ história
que cola o bojo
sem posto ou glória

abaixa baixia o chio de esgrima
grilos trilam em trilhos de sina
barítonos pendentes de tronos
desdentres para mascar o tolo

tola férreavia que eu vi
topar ao toque em tons
dos pés andantes em si
transpondo pronto o cão
serenando a noite
no ser do açoite
dos dedilhados deboches
das dissonantes quatro cordas
no sono inimigas acordadas
qu’ eu ressôo ni acorde!

escafândrico


Encho um mar na pia,
que de santa nada tem,
quando lavo as mãos
e lavo os pés também.

E fico assim imerso,
a água esperando escorrer,
deixando a cara imensa,
torcendo só para ver
vazar eu junto pelo ralo.

>>columnéticas